Logística em transformação: os caminhos da modernização regulatória no Brasil

15 de set. de 2025

A modernização regulatória da logística brasileira consolidou-se como um desafio estratégico e inadiável. O país convive com um paradoxo: por um lado, detém uma das maiores extensões territoriais do mundo e um mercado interno de dimensões continentais; por outro, enfrenta gargalos históricos na infraestrutura que elevam custos, reduzem competitividade e comprometem a segurança de usuários.

A regulação emerge como peça-chave desse tabuleiro, pois é ela que define parâmetros de segurança, critérios de investimento e condições de atratividade para o capital privado, acompanhando conjunturalmente o setor da infraestrutura para oferecer soluções adequadas às necessidades nacionais e regionais. Mais do que um instrumento jurídico, tornou-se uma plataforma de governança capaz de alinhar desenvolvimento econômico, proteção ambiental e previsibilidade contratual. Esse papel ampliado da regulação desloca o debate da mera edição de normas para a construção de políticas públicas que precisam dialogar com inovação tecnológica, estabilidade institucional e integração federativa.

No setor rodoviário, que concentra mais de 60% do transporte de cargas e quase a totalidade do transporte de passageiros, a pressão por atualização normativa é particularmente intensa. A malha federal ainda sofre com índices alarmantes de acidentes, deficiências de sinalização e ausência de indicadores objetivos para aferição de desempenho. A lógica predominante tem sido reativa: apenas quando surgem crises de manutenção ou episódios de grande repercussão é que medidas são tomadas. Esse padrão compromete a previsibilidade e perpetua o ciclo de degradação.

Iniciativas recentes, entretanto, apontam para uma mudança gradual de paradigma. O Projeto de Lei nº 710/2024, por exemplo, sugere o aperfeiçoamento da gestão do Sistema Nacional de Viação (SNV) por meio de parâmetros claros de segurança, transparência e monitoramento. Embora seja apenas uma entre várias proposições em tramitação, ilustra a busca por normatizar de forma mais rigorosa a aferição da qualidade dos serviços prestados. Esse movimento conecta-se a uma tendência maior: trazer métricas de desempenho, transparência e controle social como fundamentos da regulação rodoviária, criando condições para que concessões e contratos de longo prazo sejam acompanhados com indicadores técnicos comparáveis e auditáveis.

Nas ferrovias, a transformação regulatória foi mais ousada e já produziu efeitos visíveis. A Lei nº 14.273/2021, conhecida como Lei das Ferrovias, introduziu o regime de autorizações em paralelo às tradicionais concessões. Essa mudança abriu espaço para maior flexibilidade e dinamismo, permitindo que operadores privados apresentem projetos de novos trechos sem depender exclusivamente de editais licitatórios. A inovação regulatória, nesse caso, buscou responder à demanda por ampliação da malha ferroviária diante das limitações fiscais do Estado. Contudo, o modelo híbrido traz desafios de coordenação: é preciso definir com clareza os limites entre autorizações e concessões, evitar sobreposições de rotas e assegurar que projetos isolados se integrem a uma lógica nacional de corredores logísticos.

O sucesso da lei dependerá menos do texto em si e mais da capacidade institucional de harmonizar diferentes regimes contratuais, garantindo que a flexibilidade não se converta em fragmentação. Além disso, a evolução das autorizações exigirá um esforço regulatório adicional para fiscalizar o cumprimento de obrigações socioambientais e técnicas em projetos dispersos e de menor escala, sem perder de vista a necessidade de planejar corredores estratégicos.

Nos portos, a agenda regulatória avança de forma mais lenta, mas é igualmente decisiva. A fragmentação da governança entre agências, ministérios, autoridades portuárias e entes subnacionais mantém o ambiente de negócios pouco previsível. O excesso de instâncias decisórias eleva o tempo e o custo de operações, desincentivando investimentos em modernização.

Nesse campo, as propostas regulatórias mais recentes têm enfatizado a digitalização de processos, como o “Porto Sem Papel”, e a busca por maior autonomia administrativa das autoridades portuárias. A meta é alinhar a gestão nacional aos padrões globais, em que portos competitivos se organizam como hubs logísticos digitalizados, transparentes e sustentáveis.

A simplificação de normas e a redução da burocracia são condições indispensáveis para reduzir o chamado “Custo Brasil” nos portos e reposicionar o país nas cadeias globais de suprimentos. Nesse sentido, a regulação portuária tem diante de si o desafio de migrar de um modelo centrado na autorização de atos burocráticos para um sistema voltado ao desempenho, em que indicadores de eficiência operacional, sustentabilidade e conectividade modal sejam o norte.

A agenda climática representa outra dimensão cada vez mais entrelaçada com a regulação logística. Proposições como o PL 420/2025, que cria o Programa Nacional de Infraestruturas Sustentáveis e Resilientes e institui um sistema de certificação voluntária, mostram como a política de infraestrutura passa a dialogar diretamente com compromissos internacionais, como o Acordo de Paris e a Agenda 2030.

Ao prever a concessão de selos de sustentabilidade e o acesso preferencial a fundos climáticos, o projeto sugere um modelo em que o reconhecimento regulatório se converte em incentivo financeiro. Ainda que de caráter voluntário, a certificação tende a pressionar empreendimentos a adotarem padrões técnicos mais exigentes, sob pena de perderem acesso a capitais verdes e a reputação no mercado. A regulação, nesse caso, deixa de ser apenas instrumento de controle e passa a funcionar como indutora de práticas sustentáveis, introduzindo um mecanismo indireto de coordenação em que investidores, reguladores e sociedade civil convergem em torno de critérios verificáveis de sustentabilidade.

O conjunto dessas iniciativas, contudo, não se desenvolve em um vácuo institucional. Persistem obstáculos relevantes que desafiam a efetividade da modernização regulatória. Um deles é a sobreposição de competências entre União, estados e municípios, que frequentemente gera insegurança jurídica em contratos de longo prazo. Outro é a dificuldade de compatibilizar novas regras com contratos já vigentes, sob risco de desequilíbrios econômico-financeiros e litígios judiciais.

Além disso, a capacidade institucional dos entes públicos varia de forma expressiva, o que compromete a implementação uniforme das normas em todo o território. Há ainda a dimensão fiscal: sem mecanismos claros de financiamento, muitos comandos normativos podem se tornar inócuos, limitando-se ao plano formal. Essa tensão entre inovação regulatória e capacidade institucional é talvez o maior teste da modernização logística brasileira, porque exige que a edição de normas seja acompanhada de instrumentos de governança, planejamento e financiamento consistentes.

Informação em conhecimento, conhecimento em articulação e articulação em impacto

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