Logística integrada: como rodovias, ferrovias e hidrovias podem se articular para reduzir custos

19 de set. de 2025

A história da logística no Brasil foi moldada por escolhas de infraestrutura que favoreceram o modal rodoviário, de tal maneira que o investimento nesse modal tornou-se, em vários momentos, sinônimo de bom governo – bastando lembrar da conhecida frase atribuída ao Presidente Washington Luís segundo a qual “governar é construir estradas”. Ao longo das últimas décadas, a construção e a pavimentação de estradas permitiram conectar áreas de produção agrícola, mineradora e industrial a centros urbanos e portos de exportação. Esse processo garantiu capilaridade, mas também consolidou uma dependência que expõe gargalos recorrentes em períodos de safra, sobrecarrega estradas e encarece o preço final do transporte.

A dependência do modal rodoviário apresenta limitações evidentes: maior vulnerabilidade a variações sazonais, aumento de custos em longos trajetos e riscos de interrupção decorrentes de congestionamentos ou más condições de conservação. A busca pela intermodalidade – a integração equilibrada de rodovias, ferrovias e hidrovias – surge como caminho natural para transformar essa realidade. Não se trata de substituir um modal pelo outro, mas de criar complementaridade, aproveitando os pontos fortes de cada um .

 

Entraves para a intermodalidade no Brasil

 

A construção de um sistema logístico integrado no Brasil enfrenta barreiras que se dividem entre aspectos físicos, institucionais e regulatórios.

A malha ferroviária, ainda que estratégica, apresenta fragmentação. Em muitos casos, trechos modernizados não se conectam entre si, resultando em corredores isolados, incapazes de formar uma rede contínua. Esse cenário impede que as ferrovias assumam um papel mais abrangente no transporte de cargas, ficando restritas a rotas específicas.

As hidrovias, apesar do potencial de navegação oferecido pelos rios brasileiros, permanecem subaproveitadas. A ausência de dragagem constante, a falta de sinalização e a carência de estruturas de apoio tornam a navegação menos confiável. Essa limitação afeta a previsibilidade das operações e reduz a confiança de operadores e investidores.

Os terminais intermodais, responsáveis por integrar diferentes meios de transporte, são outro ponto crítico. Em regiões de intensa produção agrícola e mineral, a inexistência de hubs adequados leva a operações improvisadas, com sobrecarga em áreas urbanas e custos adicionais de transbordo.

No campo regulatório, a complexidade é evidente. Projetos que envolvem rodovias, ferrovias e hidrovias exigem articulação entre múltiplos órgãos e níveis de governo. A sobreposição de competências retarda processos de autorização, cria insegurança para investidores e dificulta o planejamento integrado. Além disso, a ausência de um marco unificado de intermodalidade deixa cada modal regulado de forma independente, sem coordenação sistêmica.

 

Impactos na exportação de grãos e minérios

 

A fragilidade da intermodalidade no Brasil afeta diretamente o escoamento de grãos e minérios, setores que constituem a base da pauta exportadora do país.

Na agricultura, longas distâncias percorridas por caminhões até os portos tornam o transporte caro e sujeito a atrasos. Em períodos de safra, as estradas ficam congestionadas, caminhões formam filas quilométricas e a chegada das cargas aos terminais portuários ocorre de forma desordenada. Esse cenário compromete a fluidez logística e pressiona os custos de exportação.

Na mineração, a dependência de ferrovias dedicadas garante eficiência em trechos específicos, mas restringe a diversificação de rotas. Quando há interrupções por manutenção, clima ou disputas regulatórias, a carga tem poucas alternativas. Essa concentração de fluxos aumenta riscos logísticos e reduz a flexibilidade necessária para atender simultaneamente diferentes destinos.

Nos dois casos, a ausência de rotas intermodais diversificadas impede que o Brasil aproveite plenamente seu potencial produtivo. O transporte rodoviário segue como solução imediata, mas sem oferecer previsibilidade nem custos compatíveis com a necessidade de competir em mercados globais.

 

Projetos de integração logística

Apesar dos entraves, algumas iniciativas vêm indicando avanços relevantes para a intermodalidade.

A Ferrovia Norte-Sul é vista como um eixo estruturante, pois conecta regiões distintas do país e serve como ponto de articulação para outras malhas. Sua expansão permite reduzir a dependência do transporte exclusivamente rodoviário e amplia a capacidade de escoamento agrícola e industrial.

A combinação da BR-163 com a navegação no rio Tapajós encurtou o trajeto de grãos produzidos no Centro-Oeste até os portos do Norte. Essa experiência mostra como a integração entre estrada e hidrovia pode criar alternativas mais curtas e previsíveis, reduzindo pressões sobre rotas tradicionais.

Em São Paulo, a modernização da malha ferroviária que abastece o Porto de Santos reforça a importância de integrar porto e ferrovia. O aumento da capacidade de transporte ferroviário permite aliviar a pressão sobre as estradas de acesso e tornar as operações portuárias mais ágeis.

A Hidrovia Tietê-Paraná, com sua vocação para transporte de grãos, etanol e insumos, representa um exemplo de intermodalidade em operação. O modal rodoviário abastece os terminais hidroviários, que por sua vez direcionam a carga a regiões de consumo ou exportação.

Projetos em discussão, como a Ferrogrão, buscam ampliar esse modelo ao conectar áreas de produção agrícola diretamente aos portos do Norte. Se concretizado, o projeto deve reduzir a dependência das estradas e criar um corredor ferroviário dedicado, em diálogo com o modal hidroviário.

Essas iniciativas mostram que, ainda que de forma gradual, o país vem construindo alternativas para diversificar sua matriz logística.

 

Perspectivas para maior integração

As perspectivas de avanço da intermodalidade no Brasil envolvem medidas em várias frentes.

No campo do planejamento, a criação de corredores logísticos integrados pode permitir que diferentes modais funcionem de maneira complementar. Essa visão de rede evita que os investimentos sejam isolados e garante maior previsibilidade para produtores e exportadores.

A instalação de terminais intermodais modernos é outra peça fundamental. Esses pontos de conexão precisam ser equipados com pátios de manobra, armazéns e infraestrutura de transbordo que permita a troca rápida de cargas entre caminhões, trens e embarcações.

Do ponto de vista regulatório, a simplificação dos processos de licenciamento e a maior coordenação entre órgãos podem reduzir incertezas e acelerar a execução de projetos. A clareza das regras é um incentivo decisivo para atrair capital privado e dar ritmo a obras de grande porte.

A modernização das hidrovias, por meio de dragagens contínuas, melhorias em eclusas e instalação de sistemas de sinalização, fortalece sua confiabilidade. Com isso, rios passam a ser tratados como corredores logísticos permanentes e não apenas como alternativas sazonais.

As ferrovias também devem ser fortalecidas por regimes de concessão e autorização que incentivem investimentos de longo prazo. A entrada de operadores privados amplia a capacidade de execução e permite expandir a malha para além dos trechos já consolidados.

A digitalização da logística, com sistemas integrados de rastreamento e monitoramento, pode otimizar fluxos e evitar sobrecargas em determinados pontos. Essa camada tecnológica aproxima os modais e permite coordenar operações de maneira mais eficiente.

Por fim, a sustentabilidade aparece como elemento transversal. Ferrovias e hidrovias oferecem vantagens ambientais em relação ao modal rodoviário, e sua ampliação pode ser incorporada a uma agenda de transporte de baixo impacto, alinhada às exigências atuais de cadeias globais.

A logística integrada se apresenta como chave para reposicionar o Brasil no cenário global. A combinação equilibrada de rodovias, ferrovias e hidrovias garante maior previsibilidade, reduz custos e dá fluidez ao transporte de grãos, minérios e produtos industrializados. Mais do que uma alternativa, é um caminho indispensável para sustentar o crescimento econômico, ampliar a competitividade e assegurar que a riqueza produzida no interior do país chegue aos portos de forma eficiente e estratégica.

 

Informação em conhecimento, conhecimento em articulação e articulação em impacto

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